O ano era 1942, a Segunda Guerra mundial comia solta, o ditador brasileiro da ocasião que hoje é conhecido como “pai dos pobres” governava com mão de ferro conhecido pela censura e forte repressão a qualquer ameaça ou sombra de que pudesse se manifestar como oposição.
O DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) regulava a mídia e todo mundo precisava tomar muito cuidado com o que era dito.
Lá surgem mazelas até hoje celebradas por quem foi doutrinado pelos oráculos do Estado em substituição as suas próprias sinapses, como por exemplo, a CLT.
Na economia a mão pesada do estado buscava a criação de estatais com o pretexto de industrializar o país.
Carlos Drummond de Andrade nos brindava com o que venha, talvez, a ser seu mais icônico poema.
José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Poesia de Drummond numa newsletter de investimentos não tem propósito de encher linguiça, tem propósito de, além de aliviar a pesada mensagem de hoje, de mostrar que a história está rimando.
Assim como nossos pais, de alguns de vocês avós, viram renascer o autoritarismo e a censura exemplificada no período do Estado novo nos anos de 1964 a 1985, nós estamos vendo hoje, em 2023 o embrião de um novo período em que a liberdade de expressão será alvo de uma nova caçada em defesa de um projeto de poder político.
Repressão à opositores, prisão de divergentes e uma tentativa de pasteurização do pensamento ideológico não são novidades, são cíclicos.
Felizmente na atualidade, existe a incensurabilidade, a incapacidade de censurar nem que se queira. Como dois exemplos básicos, veja que o Bitcoin vai proteger o dinheiro e o patrimônio dos dissidentes, o Nostr vai proteger o avanço representado pela livre troca de ideias em redes sociais queira o papai Estado ou não.
Quanto pior ficar a situação econômica, maior será a repressão aos “diferentes”, mais difícil será escapar da realidade desenhada para o brasileiro médio.
O Estado no Brasil não é um pai amoroso, o Estado no Brasil é um cafetão explorador, e em muito breve é provável que eu não possa mais escrever nesse espaço porque serei acusado de atentar contra a “democracia”.
Começo a duvidar inclusive que o acesso ao Bitcoin será fácil como é hoje, com restrições, impostos, caça às exchanges e dificuldades para empresas como a HashInvest acessarem o sistema financeiro tradicional e a imposição de CBDCs goela abaixo.
Hermanos argentinos que enxergaram o cenário que descrevo como provável e fizeram a lição de casa, hoje vivem como Reis em uma país que, em 2023, cruzou a marca de mais de 40% da população vivendo abaixo da linha da pobreza.
E agora, José?
Vai esperar sentado. Vai esperar cético. Vai esperar a festa acabar, a noite esfriar? Vai esperar o DREX dizer onde e como você gasta seu próprio dinheiro?
Quero, do fundo do meu coração, estar errado, mas os dados trazidos pela realidade apenas fortalecem a impressão que, infelizmente, a rota de fuga será estancada rapidamente. Encerro o artigo de hoje com o dado fresquinho (22/08/2023) sobre a arrecadação federal na imagem acima.